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foto:reprodução |
O
voto do ministro Luiz Fux no julgamento do núcleo político da tentativa de
golpe de 8 de janeiro trouxe
à tona uma contradição que ressoa fortemente entre juristas e políticos. De um
lado, Fux acompanhou a maioria do Supremo Tribunal Federal e ratificou mais de
400 condenações de invasores da sede dos Três Poderes, aplicando penas severas
e reafirmando a gravidade das condutas de quem participou diretamente da
destruição do patrimônio público e das agressões às instituições. De outro, ao
se debruçar sobre o núcleo político da trama, que teria articulado o movimento,
Fux surpreendeu ao adotar um discurso garantista e absolver a maior parte dos
chefes, incluindo Jair Bolsonaro e ex-ministros de seu governo.
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A diferença de postura chama a
atenção não apenas pelo contraste entre as duas situações, mas também pela
seletividade dos argumentos. Quando julgou os invasores, o ministro não
levantou dúvidas sobre a competência do STF,
não reclamou da quantidade de provas nos autos e não alegou qualquer nulidade
processual.
Pelo
contrário: defendeu a dureza das penas e a responsabilização exemplar dos
envolvidos. Já no julgamento dos líderes, apresentou uma leitura distinta,
alegando cerceamento de defesa, excesso de provas que prejudicaria a análise
adequada do processo e a necessidade de rever a competência da Corte para
julgar tais casos.
Na prática, Fux pediu a condenação de
apenas dois dos acusados: Mauro Cid e Walter Braga Netto, ambos pelo crime de
tentativa de abolição violenta do Estado
Democrático de Direito, e ainda assim com penas menores do que as
aplicadas aos invasores de base. Todos os demais integrantes da cúpula política
foram absolvidos.
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Ministro Alexandre de Moraes observa Luiz Fux durante o voto. Foto: STF |
Fux
chegou a pedir a anulação do processo, rejeitou o enquadramento em organização
criminosa e optou por reclassificar os fatos como mero concurso de agentes. A
justificativa, no entanto, não se sustenta diante de dois fatores fundamentais:
primeiro, porque o Supremo já reafirmou reiteradas vezes a sua competência para
julgar os casos relacionados ao 8 de janeiro; segundo, porque o próprio Fux
havia votado favoravelmente às condenações de centenas de réus, sem contestar a
competência nem apontar nulidades de defesa.
Ao citar o chamado “caso Débora” como
exemplo de sua evolução de entendimento, o ministro buscou sustentar que já
teria manifestado preocupação com a competência do STF em outros momentos. Mas
a comparação não se sustenta.
Naquele episódio específico, seu voto
reconheceu a incompetência apenas em um contexto restrito, e depois o próprio
Fux voltou a aceitar a competência da Corte em processos subsequentes
relacionados ao mesmo tema. A evocação desse caso, portanto, soou mais como um
recurso retórico do que como um fundamento jurídico sólido.
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O
que torna essa guinada ainda mais estranha é o histórico do ministro. Luiz Fux
sempre foi identificado como um magistrado punitivista. Em diversas ocasiões,
defendeu o endurecimento das penas, negou habeas corpus mesmo em situações de
furtos insignificantes e foi contrário à aplicação de teses mais protetivas ao
réu. Sua trajetória construiu a imagem de um julgador rigoroso, alinhado à
linha dura do Direito Penal. Agora, ao analisar os chefes da trama golpista,
surge um Fux garantista, preocupado com a defesa e com os limites da
competência da Corte — uma postura que destoa de sua biografia judicial.
O jurista Dimitri Sales, em
entrevista ao ICL Notícias,
destacou esse comportamento seletivo e o classificou como casuísmo:
“Não se surpreenda se no próximo julgamento de
matérias penais o ministro Fux volte a ser punitivista, severo. Não se
surpreenda. O fato é que a gente está diante de um processo histórico que terá
consequências muito enraizadas para a própria história do
Brasil. (…) Esse casuísmo, de alguma forma, faz com que a gente se surpreenda
com o punitivista sendo o maior de todos garantistas. O ministro alega
cerceamento de defesa, mas os atos processuais estiveram de acordo com os
prazos da legislação. Portanto, ele cria um argumento que é político e não
jurídico, que reforça a atuação das milícias digitais e da extrema direita para
transformar o processo em debate político, não jurídico.”
A
fala de Dimitri reforça o ponto central: não se trata de uma evolução
jurisprudencial consistente, mas de um uso seletivo dos princípios jurídicos,
que mudam conforme o réu que está no banco dos acusados. Essa seletividade
enfraquece a legitimidade da decisão e abre espaço para leituras políticas, em
vez de jurídicas, em um processo que deveria marcar a defesa das instituições
democráticas. Justamente o que Fux diz combater.
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Esse duplo padrão alimenta críticas
sobre a atuação do Supremo e compromete a percepção pública sobre a
imparcialidade das decisões.
Ao condenar os que invadiram, mas
absolver a maioria dos que planejaram, o ministro Luiz Fux acabou por criar um
contraste que se tornará referência obrigatória nos debates sobre o julgamento
histórico do 8 de janeiro.
Fonte:ICL
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